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foto pública tirada da net
*
SUBTERRÂNEOS...
*
a linha metro d'aço
electrificada
em tanta alta tensão
ruído gente
atropelo chiadeira
o tropeçar
na troca do passo
*
atravessar escuridão
túneis labirintos
num apoio de cotovelo
entre oscilatórios
movimentos de fixar os olhos
veloz como pensamento
de que se faz ilusão
*
o que pensamos
não o que fazemos
emocionais alianças
que nos tocam
efémeras
mas o que nos dói de pensar
e disfarçamos
*
a falta de coragem
a deriva
em volta do labirinto
testar no outro
a nossa cobardia
na mansidão consentida
adúltera selvagem
*
a arte esventrada
nas paredes
por onde os olhos rasam
sem tempo d'entender
quanto ruído
e luz e medo em correria
na mente cansada
*
o aperto constrangido
aromas voláteis
rostos invioláveis
o choro compulsivo de crianças
na melodia dos pedintes
que sangram
ante o mutismo empedernido
*
chegar e ou talvez partir
a de que instante
rompendo o tempo
sem vento nem frio chuva
como se de uma mina
de que somos o filão inesgotável
de gente triste a sorrir
autor: jrg
(retirado da net de uma entrevista ao Jornal Correio da Manhã.)
água
Chove! E a água corre...
corre pelo chão
O vento Norte
sopra forte
como um tufão
vindo do além
Chove! E a água corre...
corre pelo chão
Parece alguém
fugindo à sorte
temendo a morte
que cedo ou não
sempre vem
maria teresa
por de sol
Há um céu vermelho
de vários tons quentes
um mar prateado sereno
um quadro electrizante
que dá forças...aquece a alma
a noite cai devagarinho
de mansinho para não assustar
os duendes
e docemente penetrante
a primeira estrela brilhando
parece dançar alegremente
sinal de vitalidade que se sente
neste por de sol resplandecente
que sempre acentua o nascer
das almas simples e o morrer
eternamente
maria teresa
Vista de onde eu a vejo, a Cidade é extensa e intensa, dorme de luzes acesas em continuo e tem a Lua poderosa como estigma dos sonhos.
Estou do outro lado da Cidade grande, descaído para a foz do rio que a banha vindo de Espanha. Na marginal correm luzes possessas sem destino. Infinitas. Sei quando é o comboio, pelas janelas iluminadas, o som das rodas nos carris de ferro, ou quando é uma ambulância que se esgueira por entre os possessos dos outros, distraídos, a verem de onde vem o som de alarme, de SOS, se é para eles ou para uns outros .
Estou na penumbra da outra margem obscura frente à cidade grande e tive sonhos, tenho sonhos, de ser grande como a Cidade
O brilho da Lua quase ofusca as luzes da Cidade e produz ecos que ressoam na minha memória incandescente. A brisa é fresca, suave, amena e em frente há casa com luzes acesas.
Fixo os meus olhos em uma delas, é como se um pisca-pisca alucinante, como um íman poderoso, distante, me apelasse o registo. Sim, são dois vultos que se movem, parecem lutar pela posse de algo que não vejo ainda bem. Sinto que são um homem e uma mulher, ainda jovens. Acusam-se mutuamente, gritam, choram e agarram-se desesperadamente, soltando palavras que ferem. Culpabilizando-se. E movem-se em contínuos movimentos de vai e vem em roda de um candeeiro de mesa ou de tecto.
_Acreditei nos teus sentimentos. Na tua lealdade. Saíste-me um traste. São palavras da mulher entre soluços de dor profunda._ deixaste de me amar.
_Tu é que só pensas em ti, não tens a noção de projecto conjunto, de espaço. Já não me amas e eu amo-te. Quero amar-te sempre. _São dele, as palavras proferidas no silêncio aparente da Cidade. Silêncio absurdo sobressaindo dos ruídos.
Percebo, o que eles disputam. É algo invisível que se lhes escapa a cada gesto Disputam amor, algo que sentiram, que sentem, mas que não entendem como se esfuma, se esvai deles que o querem reter, porque o queriam estanque, à mão de cada zanga, à mão dos desejos quando o desespero de ficar só aperta o sentimento de amar.
Desvio os olhos para a luz azul celeste na negritude da noite. Impaciente perante a passividade, o condutor liga a sirene. Leva uma criança que chora, que arde em febre de origem desconhecida. Um homem e uma mulher trocam olhares de socorro mútuo. Dizem palavras com os olhos, entre si e para a criança que lhes estende os braços. O seu filho. E é amor o que vejo, tanto que me seduz, me pára o pensamento, me encanta de mim, porque são formas de amor distintas que eu vejo naqueles olhos e naqueles olhares. Amores diversos, acutilantes, que se entrecruzam.
autor:João Vicente
Gente jovem deambula pelas ruas em busca de mais horas de vida. Garrafas de cerveja nas mãos, risos estridentes, palavreado fácil, inútil. Apenas palavras para se ouvirem. Palavras que procuram projectar alegrias em si e nos outros. Palavras , por vezes amargas, outras obscenas, arrogantes ou simplesmente afectuosas, se são amantes. Palavras para esquecer ao dealbar do dia.
Que fiz? Por onde andei? Que foi que disse ou prometi? E a quem? E amanhã?
Vejo brigas, discussões fúteis que provocam agressões. Assaltos de delinquentes menores.
Capitães da rua, decididos, disciplinados, cheios de vontade de serem maiores, ou tão grandes como a cidade. Seguem em grupo porque sozinhos perdem a força. Caçam como as Leoas, em grupo, escolhem a presa, também a mais fraca, debilitada.
Há gente que trabalha, despudoradamente, trabalha na noite para que a Cidade não estagne. Trabalham para poder pagar tudo o que gastam , que se torna numa justificante, para continuarem a trabalhar. A apresentação, o carro, a alimentação, a casa própria, o estatuto, a moda.
Vagabundos alienados procuram insistentemente nos caixotes de lixo algo que os reconforte. Têm pressa, antes da recolha que os inibe desse prazer de achar. Vasculham. Lançam impropérios por entre os dentes moídos, descarnados quando se riem.
Ás vezes procuram apenas um pedaço de cartão que lhes sirva de cama, um leito diferente, de cores e cheiros. Discutem uns com os outros, é meu! A garrafa vazia.
A Lua aproxima-se inexoravelmente da linha do horizonte, de onde passará para o outro lado de onde a vemos, estamos, de onde estou. E sei que o seu movimento produz mutações, alimenta desejos. Sei que influi na essência das almas que vagueiam na noite. E nas que dormem, que se disputam nos sonhos.
Estamos no dealbar de uma nova aurora e ainda tenho tempo de olhar a luz fraca, adormecida, do 12º , imponente, do lado de onde o Sol nasce, e aperceber-me dos movimentos exaltados de dois amantes que se entregam, como que na totalidade, tal a fluidez dos gestos e dos aromas que me chegam, os gemidos de prazer, os beijos, os ais do clímax, dum absoluto de amor.
Olho os corpos desnudos, despreocupados, relaxantes que as mãos de um e outro se acariciam ternurentos.
E mais à frente, salteando de janela em janela, os solitários que a insónia mantém vigilantes, desesperados de procuras insistentes sem achado: os amores frustrados, amigos desleais, contas por pagar, o desemprego, os pais que os abandonaram sem afectos, filhos desviados, os objectivos difusos, falhas de amor próprio, procuram, no passado, no seu passado, razões de afectação ao presente e esquecem-se de si, do seu interior onde tudo adormecido podia despertar, onde se asfixiam na amalgama de sentimentos profundos, dolorosos que se comprimem na ânsia de se soltarem, de uma palavra chave, uma luz, um milagre de si.
Sinto uma mudança brusca na aragem e um clarão ténue de claridade. Vai ser dia.
Ouço as vozes cavernosas dos primeiros pescadores, dos que chegam e dos que partem.
É o momento preciso em que a Cidade perde o brilho entre a bruma opaca da manhã junto ao rio.
Imensa, a Cidade grande, é agora um esboço e regurgita de um outro tipo de vida.
João Villaret
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Registo aqueles dias à hora do almoço. O S. Jorge imponente nos silêncios.O silêncio do palco iluminando a sombra . O silêncio de quem veio e se senta reverente na plateia que se adensa. O palco adereçado para o espectaculo como se ele estivesse lá. A cadeira, o piano, O facho de luz sobre o invisivel da imagem.
Tu e eu de mãos dadas. Sustendo-nos de respirar.
Assina -Virginia Bettencourt
Sem dúvida o melhor declamador de todos os tempos, em Portugal. Deu alma à poesia Portuguesa, imortalizou poetas e poemas e este Cântico Negro, de um poeta maldito, eximio de força e de criatividade da arte e dizer. Eximio na afirmação de ser Português.
Nós somos assim. Podem avisar-nos, demonstrar por A mais B que vamos no caminho errado, apontar-nos um outro rumo, que nós dizemos não, "não vou por ai. Só vou por onde me levarem os meus próprios passos" A minha homenagem de culto, ao poeta e ao intérprete
Neo
Gostaria de lembrar um outro aspecto que considero muito importante na personalidade de João Villaret, e que tem a ver com o contributo que ele deu a uma liberdade que ainda vinha longe. Dos palcos dos Teatros do Parque Mayer, quando o homenzinho da censura adormecia, João Villaret aproveitava para dizer todas as verdades que lhe ocorriam sobre o triste país em que vivíamos. Ele ridicularizava Salazar, dizia o que lhe vinha à cabeça, e com isto arriscou a a vida por uma liberdade que para ele já não chegou a tempo. Obrigada, João Villaret.
Assina - Teresa Mascarenhas
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