ESTADOS DA ALMA...
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foto tirada da net
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pensar...o pensamento...meditar...o êxtase...
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são fases do homem sublimado
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pensar não é antever o que fazer no imediato
a cada partícula de segundo agir obcecado
oscilar entre o prazer ou ficar parado em bom recato
viver toda a vida como um boneco animado
o pensamento é olhar o corpo através da alma
é ver para dentro de toda a matéria nublada
ultrapassar o vento ir além do cosmos sentir a mão na palma
perscrutar o ser e nele reflectir o movimento vida gorada
meditar é sair do corpo e ser na alma serena exaltação
consolidar o pensamento dar ao tempo o tempo de acontecer
é ir além do saber acumulado o não saber e ser meditação
compor o puzzle sem se deixar da acalmia envelhecer
o êxtase apanha a alma num absoluto de solidão
fixa os motivos e os porquês da existência
como uma branca no consciente do ser em doce exortação
convoca todos os sentidos a assumirem de si a evidência
do acto de pensar chegámos ao humano pensamento
a meditar no tempo aportamos ao profundo êxtase
um homem uma mulher em subtil encantamento
fazem amor no abismo desde o topo até à base
agora quem faz que pensa é a máquina
passamos o tempo na espera ansiosa que ela medite
ela que usufrui do pensamento que a iquina
que nos leva pelo mundo em viagens sem limite
tudo o resto é sonho ou devaneio da alma acomodada
um arrufo de namoro uma alegria de alma sofrida
uma cobiça a teimosia de viver a vida em si fechada
e ir na onda da mediocridade aguerrida
autor: JRG
Todo o artista em sua verdade mente
quando sugere o que de sua arte se interpreta
assim as palavras que a alma diz que sente
nos versos multicoloridos do poeta
a ilusão que se cria em tom de esperança
amanhã é outro dia o sol a Primavera
insidiosa a estropia da racional temperança
que faz o homem almejar a nova era
podia dizer-vos que é tudo falso
não há uma razão mítica para a existência
só mudou a forma a forca o cadafalso
porque a tortura persiste uma evidência
nascemos nem sempre gerados com amor
dum simples acto de lasciva fornicação
criados com ou sem desvelo e dor
vivemos num frenesim complexo de ilusão
matamos odiamos por fúteis ninharias
acreditamos em deuses feitos da mesma maneira
elegemos conceitos falsos mitologias
e morremos senão antes de velhos à lareira
a cada novo ano explode a nova esperança
jogamos a vida nas orgias da sorte
sabendo sem saber que toda a abastança
não evita cedo ou tarde a nossa morte
olho a chuva que cai na terra enlameada
por magia faz brotar flores entre ervas daninhas
fornica a terra com amor e dela apaixonada
assim o homem insano se eterniza nas alminhas
autor: JRG
O QUE É O NEO-ABJECCIONISMO
Chamo-me Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, ou só Luiz Pacheco, se preferem. Tenho trinta e sete anos, casado, lisboeta, português. Estou na cama de uma camarata, a seis paus a dormida. É asseado, mas não recebo visitas. Também não me apetece fazer visitas. A Ninguém. Estou bastante só. Perdi muito. Perdi quase tudo.
Perdi mãe e perdi pai, que estão no cemitério de Bucelas. Perdi três filhos – a Maria Luísa, o João Miguel, o Fernando António –, que estão vivos, mas me desprezam (e eu dou-lhes razão). Perdi amigos. Perdi o Lisboa; a mulher, a Amada, nunca mais a vi. Perdi os meus livros todos! Perdi muito tempo, já. Se querem saber mais, perdi o gosto da virilidade; se querem saber tudo, perdi a honra. Roubei. Sou o que se chama, na mais profunda baixeza da palavra, um desgraçado. Sou, e sei que sou.
Mas, alto lá! sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português.
Até aos trinta e sete anos, até há bem pouco tempo ainda, portanto, julguei que podia, era possível, ser livre e salvar-me sozinho, no meio de gente que perdeu a força de ser (livre e sozinha), e já não quer (ou mui pouca quer) salvar-se de maneira nenhuma. Julgava isto, creiam, e joguei-me todo e joguei tudo nisto. Enganava-me. Estou arrependido. Fui duro, fui cruel, fui audaz, fui desumano. Fui pior, porque fui (muitas vezes) injusto e nem sei bem ao certo quando o fui. Fui, o que vulgarmente se chama, um tipo bera, um sacana. Não peço que me perdoem. Não quero que me perdoem nada. Aconteceu assim.
Eu para mim já não quero nada, não desejo nada. Tenho tido quase tudo que tenho querido, lutei por isso (talvez o merecesse). Agora, já não quero nada, nada. Já tudo, tanto me faz; tanto faz.
Agora, oiçam: tenho dois filhos pequenos, o Luís José, que é o meu nome, e a Adelina Maria, que era o nome de minha Mãe. O mais velho tem 4, a pequenita dois, feitos em Fevereiro, a 8. Durmo com uma rapariga de 15 anos, grávida de sete meses, e sei que ela passa fome. É natural que alguns de vocês tenham filhos. Que haja, talvez, talvez por certo, mães e pais nesta sala. Não sei se já ouviram os vossos filhos dizerem, a sério, que estão com fome. É natural que não. Mas eu digo-lhes: é essa uma música horrível, uma música que nos entra pelos ouvidos e me endoidece. Crianças que pedem pão (pão sem literatura, ó senhores!) pão, pãozinho, pão seco ou duro, mas pão, senhores do surrealismo, e do abjeccionismo, e do neo-realismo e mesmo do abstraccionismo! Este mês de Março que vai acabar ou já acabou, pela primeira vez, eu ouvi os meus filhos com fome. E pela primeira vez, não tive que lhes dar. Perdi a cabeça, para lhes dar pão (ainda esta semana). Já não tenho que vender, empenhei dois cobertores, e um nem era meu. Tenho uma máquina de escrever, que é a minha charrua, e não a posso empenhar porque não a paguei; e tenho uma samarra, que no prego não aceitam porque agora vai haver calor e a traça também vai ao prego... Já não tenho mais nada. Tenho pedido trabalho a amigos e a inimigos. Humilhei-me, fiz sorrisos. Senti na face, expelido com boas palavras e sorrisos, o bafo da esperança, da venenosa esperança; promessas; risinhos pelas costas. Pedi trabalho aos meus amigos: Luís Amaro, da Portugália Editora; Rogério Fernandes, de Livros do Brasil; Artur Ramos; Eduardo Salgueiro, da Inquérito; dr. Magalhães, da Ulisseia; e Bruno da Ponte, da Minotauro, aqui presente, decerto. Alguns têm-me ajudado; mas tão devagarinho! tão poucochinho!
Sim, porque eu não faço (já agora, na minha idade!) todos os trabalhos que vocês querem! Só faço, já agora, coisas que sei e gosto: escrever umas larachas; traduzir o melhor que posso; mexer em livros, a vendê-los ou a fazê-los.
Nem quero vê-los a vocês, todos os dias! Ah! Não! Era o que me faltava! Vocês têm uma caras! Meu Deus, que caras que nós temos! Conhecem a minha? Vão vê-la ali ao canto, na folha rasgada do meu passaporte (sim, porque viagens ao estrangeiro (uma...) também já por cá passaram...) Viram? É horrível!... A mim, mete-me medo! Mas é uma cara de gente. E isso não é fácil.
Dizia eu: eu quero trabalhar na minha máquina, sozinho, ou rodeado da minha Tribo: os miúdos, uma mulher-criança, grávida. E, às tardes, ir passear pela Avenida Luísa Todi ou na ribeira do Sado. Acho que nem era pedir muito. E para mim, é tudo.
Já pedi trabalho a tanta gente, que já não me custa (envergonha) pedir esmola. Confesso-lhes: até já o fiz, estendi a mão à caridade pública, recebi tostões de mãos desconhecidas, de gente talvez pobre. E tenho pedido emprestado, com a convicção feita que não o poderei pagar. É assim.
Eu para o Luiz Pacheco, repito, não quero nada, não desejo nada, não preciso de nada; mas para os bambinos! E para o bebé que vai nascer! Roupas; leite; pão; um brinquedo velho... Dêem-me trabalho! Ou: dêem-me mais trabalho.
E para findar esta Comunicação, remato já depressa:
Peço uma esmola.
(Alocução de Luís Pacheco numa conferência pública)
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A Minha Reflexão...
Não se pede nem se dá, interioriza-se, sente-se e é como uma mola do interior de nós que se movimenta na direcção da coisa ou ser da nossa atenção.
Dar, não nos dá o direito de exigir vassalagem. Nem de retirar a coisa dada se não for feito o uso para que a demos. Dar é uma emoção dum dado momento que nos satisfaz. É uma necessidade nossa. Quando retiramos o que demos em determinado momento, não nos assiste o direito de retorno de nada. Não existe retorno do que foi gasto em ideia ou uso.Dei-te confiança, fizeste mau uso do meu confiar, logo, retiro-te a confiança. Devolve-ma...
O que é dar confiança?
Dar confiança pressupõe ter recebido confiança suficiente para poder retribuir. Ninguém dá nada a alguém se não tiver tido um retorno. Madre Teresa recebia a dádiva da Paz interior pela sua devoção a causas humanitárias. Entre o comum de nós, humanos, o hábito ou o acaso de dar, é sinónimo de ter recebido antes uma contrapartida, ainda que emocional.
Dar é um acto instantâneo face a um recebimento. É reciproco. Só possivel quando duas pessoas se cruzam e se sentem. Está dado.
Penso que não é estimável que alguém retire confiança a outrem e o faça anunciando tal decisão. É uma violência psicológica. A pessoa em quem se confia deixou de ser confiável no todo ou em parte, para um alguém, não para o todo, sequer para o todo de quem retira a confiança.
Na conferência de Luís Pacheco, ele explicita-se. Dêem-me trabalho, mas não um trabalho qualquer. Pede pão para os filhos e já agora, sem o dizer, que seja suficiente para o vinho.
É um pedido desesperado que obtém de quem dá duas satisfações de bem estar. A primeira, a emoção do quadro pintado por quem pede e que provoca a reacção de dar , a segunda, a emoção do acto de dar, efectivo. Sem a emoção anterior não há emoção posterior. Sem a dádiva que capta a atenção , não há dádiva de facto.
Falarmos subjectivamente do que nos interessa sem atendermos ao interesse do outro, é uma forma comum de manipulação dos interesses próprios em absoluto.
Pensarmos que é possivel comprar ou subjugar a consciência do outro, a sua liberdade de pensamento, com actos que consideramos subjectivamente suficientes para o manter amordaçado, subserviente a nós, é ingenuidade gratuita ou prepotência dos valores de que nos julgamos possuídos.
Eu considero, ainda, que mais grave é o processo Kafquiano de julgar os procedimentos de um individuo, apenas pela avaliação que alguém faz do seu comportamento e dos reflexos que ele pode induzir ou reflectir na sua própria visibilidade, a do julgador, aos olhos de outros. Como se fosse indissociável um do outro, o que pratica a acção do sujeito que se vê implicito na própria acção.
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