TODA A MORTE É UM SEM SENTIDO
hoje é Domingo
e chove
no átrio do hospital
do lado de fora das urgências
a morte
por entre gritos
inflamados
de quem na vida
perdeu alguém
vestidas de negro
evocam os espíritos
dedos tremem frenéticos
marcam números de telefone
gritam entre si
gesticulam
encomendam a alma
enumeram qualidades
apenas qualidades
gritos pungentes
arrepiantes
de cada vez que chega alguém
do clã
sobem de tom
trazem crianças estremunhadas
sem saberem ao que vêm
desde cedo
aprendizes do ser
clamam contra a impotência
evocam o absurdo dos deuses
traçam a história de vida
atrás da alma
e não acreditam
deitou-se vivo
que aconteceu
incrédulos
punhos fechados
entre os gritos do absurdo
vestidas de negro
lenços levantados
descobrem o rosto na saudade
onde não pairam sorrisos
braços levitando
em redor do corpo
riscam imagens
não lágrimas apenas gritos
há um agitar dos corpos
em volta dos gritos
entoam cânticos
vão se chegando a família
o clã
sinfonia tétrica
que lembra o que a morte é
morreu o meu irmão
morreu
há um vagabundo
do outro lado da morte
ele sabe que ninguém gritará
na sua vez
e absorve
na avidez do momento
escolhendo entre as palavras
as que lhe servem
por antecipação
as crianças brincam
um deles tem uma pistola
de imitação
quase indiferentes
apontada à morte
por entre os gritos
tiros à sorte
que entram e ficam
na memória
há uma palavra chave
ou várias
para recrudescer o clamor
cânticos subtis
palmas enérgicas
quando a dor esmorece
a alma agiganta o corpo
de dentro da memória
a alma
é já uma onda de gente
de onde se destacam os assimilados
vestes modernas
calados
por entre os gritos
que formam uma plataforma
volátil
por onde me movo em surdina
intruso na alma da morte
a viúva sentada
como uma deusa fugaz
que todos veneram
abraçam incitam a lamúria
ante a evidência da perda
havia uma ronda da morte
neste Domingo
e eu tentava desviá-la
na sua voragem
autor: JRG