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O cardeal de Lisboa, por um momento,
sobressaltou-me a memória...
*
-vi ressurgir Cerejeira aplaudindo Salazar,
por cada grão que tirava à nossa
inteligência, de há tanto tempo amordaçada...
-voltei a sentir indignação por todo um caminho
obscurantista, que a luz das velas não iluminava...
-vi crianças famintas olhando o lanche dos
mais afortunados...comendo uma carcaça aberta
para fingir que tem manteiga..
-olhei os brinquedos inventados com o lixo
dos mais endinheirados...
-reparei nas pastas que o primeiro ministro
agrega à sua função...desde logo a cultura...
*
Inquieta-me o silêncio que apadrinha a medida
de confiscação de salário dos trabalhadores a partir
de 485 euros...inquieta-me o ruído à volta do lixo que é a
Mood'ys para a alta finança...e nem sequer o facto de
o governo e os seus mentores parecerem tão entalados
perante esta decisão da Mood'ys, quanto eu e, penso,
milhares de outros deste povo, perante esta decisão
do governo de nos confiscar para agradar à Mood'ys,
deixa de me inquietar...porque antevejo medidas ainda
mais gravosas...quem permite a tormenta e nada faz para
se proteger, sujeita-se a ir na leva, como o lixo...
*
Distraio-me com a criança, aparentemente feliz,
que é o meu neto...a construir castelos na imaginação...
dou por mim a viajar nele, a ser nele, sendo eu o outro,
incapaz de o proteger da calamidade humana que se
instalará na próxima década...se não se der o
acontecimento por muitos esperado...aceno-lhe com a
esperança...armo-o com a coragem das palavras...
incito-o a viver sem medo...
*
De volta à realidade..o Cerejeira, anafado na pele
e na voz do Policarpo, sem pudor, a vingarem-se dos
ímpios que os relegaram para plano secundário...
a benzer a medida do governo que confisca uma
percentagem igual para todos, a partir dos
bastantes 485 euros, de um mês do salário, produto
do trabalho das ovelhas da redenção perdida...a considerar
tão igual o confisco...equilibrado...entre quem ganha
700 ou mil e os que ganham 50.000 ou 100.000 por cada
mês vencido...de fora ficam os ganhos da usura...bolsa
e outras traficâncias paralelas...
*
Cresce-me a indignação por não ser eu suficiente..
por não ouvir o rumor indignado...os sindicatos esperam
para ver...os partidários da chamada esquerda, bocejam
indecisos...o Mário Nogueira encontrou, enfim,
um interlocutor à altura...os indiferentes, procuram uma
brecha por onde escapar...a Europa definha, rodeada de
mediocridade...os paises emergentes esperam uma oportunidade
de nos cravar a unha...as mentes criminosas que movem
as marionetas dos diversos poderes exultam, ante a façanha
fascinante de serem o mais temivel poder...
*
Estou louco...penso...povoado de fantasmas que mais
ninguém vê ou sente...obsessivamente à espera da
liderança feminina que tarda...perco o miúdo de
vista no parque infantil, onde me revejo nas crianças
que ainda sorriem...até quando? penso nos pais de classe
média confiantes que aguentam a pressão...penso
nos jornalistas engajados ao poder económico que regula
as redacções dos órgãos de informação...o Cerejeira
na pele de Policarpo...o presidente da República
cilindrado...não vejo o puto..corro em volta das
construções...só me faltava que confiscassem o puto...
*
De repente ocorre-me...e se isto tudo não passasse
de uma encenação macabra?...a Mood'ys, os governos,
os detentores da massa financeira...aliados de origem
há tanto tempo...a forma orquestrada como se
empenharam em denegrir o governo anterior...a contra
informação...o alarme social...o vexame pessoal...nada
melhor para levantar a moral de um povo que considerar
o país como lixo...
autor: jrg