HÁ UM SILÊNCIO À DERIVA NA MARÉ...
foto pública tirada da net
*
HÁ UM SILÊNCIO À DERIVA NA MARÉ...
***
hoje ainda
neste quase absurdo
silêncio de viver
dum povo quase inteiro
que não esquece
ouço
um alarido interior
sob o abdómen
de vísceras a arder
a convocar a parte interna
onde milhões
de minúsculos átomos
tardam em amanhecer
*
não tinha havido
em toda a história
nada parecido
talvez Damião de Góis
à pira quase condenado
sob as vaias do obscurantismo
dum deus humanizado
cioso da verdade universal
e confrontado
com a luz de pensamento
quase igual
que acordava o povo
ensimesmado
*
hoje ainda
neste silêncio de trevas
onde cisma a consciência
ouço
a borbulhar instante
o movimento da maré aviltante
poluída
de naufrágios sapientes
que se agarram
como lapas à fortaleza
dos povos ignorantes
pela falácia
rendidos
*
há um homem
tão simples como um povo
mortal
na pira da insídia
a arder
acossado pela maré emergente
sem piedade
cuja luz ainda cintilante
alerta
para esta atrocidade
que vergonhosamente
nos cativa e amolece
o pensamento
*
hoje ainda
desperto ao som
dum toque de silêncio
esfrego os olhos
nada
apalpo o corpo
a ver se existo ou sou a ilusão
dum corpo desfeito
na armadilha da guerra
que voltou
para se redimir da mente insana
na deriva da maré
e nada
*
acordo estremunhado
na pele puída
vendedor ambulante
de ideias
que não rendem na bolsa
que silenciam
à espera de mulheres
da mulher
uma alma feminina
que reponha a mátria original
sobre a massa já falida
da máscula agonia
num toque de silêncio
*
hoje ainda
enleado na teia da indecência
maculado na minha dignidade
enlameado na história
dum povo
às armas gritado
grito
à mãe da memória
à consciência
à coragem que me abandonou
à esperança escondida
rasguem-me da teia as lianas
porque o silêncio acordou
*
há um silêncio
estranho à espera da maré
gente avulsa fatigada
que reclama
longe dos orgasmos
de quando o cheiro da carniça
atiçava multidões
por meras formalidades
queimando a energia que tinham
sem valimento
hoje reféns da noite de breu
almas mortas
num toque de silêncio
*
hoje ainda
a noite avança
a compasso
golpe sobre golpe
mais por menos dá mais
menos por menos também
mais menos
os analistas comentam
como se o silêncio
fosse a tábua de salvação
uma no cravo dói
a outra a na ferradura
alivia a tensão
*
quem me meteu
nesta alhada absurda de viver
sob a benção de um deus
e do lascivo prazer
nascido da partilha
que inconsciensaliza o homem e a mulher
és maior
faz-te à vida
e eu a fazer-me a crescer
no perde e ganha
povo do meio
sem terra nem mar
só na alma do silêncio
*
autor: jrg