A VILA ONDE EU MORO
foto tirada da net, site da junta de Freguesia da Trafaria
na vila onde eu moro
vejo a outra margem do rio
há uma rua de escarros sem decoro
vejo de Lisboa imponente o casario
a rua desce desde o largo da igreja
até ao rio com Lisboa à vista
chão escuro laivos de muco para que se veja
que escarrar no chão aqui é uma conquista
dum lado casas de pasto humano
do outro ninhos de gente que na vila habita
sentados no chão velhos de olhar insano
no lusco fusco da vida que a morte regurgita
na vila onde eu moro
nem tudo é morto ou escarro
há natureza e o rio na base do morro
e gente feliz que se ri em cada bairro
há marchas maledicências romarias
homens de senso raro mulheres belas bonitas
há sábios que lêem no céu as ventanias
e cães abandonados por famílias catitas
no rio arrastar amêijoa pesca violenta
entre outras pescas duras ancestrais
na margem meninos de escola e gente que acalenta
no ar adejando gaivotas mergulhões maçaricos reais
na vila onde eu moro
gente que diz bom dia sempre que escarra
extraída de dentro a cava maldição o soro
renovada a esperança na uva que cresce na parra
chilreiam andorinhas, pardais grasnam gaivotas
melros estorninhos pintassilgos voos rasantes
nas Primaveras memória dos ninhos em suas rotas
exultam ao sol emplumados em ritos amantes
o rio de águas mutantes e densa corrente
atravessa vilas cidades estreita rasga montanhas
chegado ao mar estanca no estuário laxante
trocam-se de amores ressuscitam vidas estranhas
na vila onde eu moro
há um tudo e um nada que apetece viver
cada alma é de senso comum um justo foro
onde a vida e a morte se adiam ao escurecer
autor:JRG