DISSECAÇÃO DA PALAVRA AMOR
Pego na palavra amor. Ostento-a num papel branco onde desenhei a várias cores o A o M o O o R. .
Está perfeito. Primeiro em dégradé de cada uma das cores básicas: o vermelho, o verde, o azul, o amarelo, o preto, Depois utilizo folhas de papel coloridas. Coloco-as uma a uma na frente dos meus olhos, com os óculos de dioptria e meia. Fixo a palavra, a cor, a palavra. Soletro-a. Pronuncio-a em voz baixa. A meia voz. Grito-a. Apaparico-a de tons, suaves, quentes, sussurrantes, agudos, raivosos, blasfemos e volto à ternura que a palavra envolve, que ela pretende ser ainda, desde que a criaram e lhe atribuíram uma significação. A M O R. . .
Sirvo-me de um pequeno binóculo. Aumento a palavra. Reduzo. Aumento
Penso nos poemas exaltados, as odes, a lírica ,a epopeia, o soneto, o verso trepidante a esmo, sem rima, em catadupas de enlevado orgasmo existencial. E na prosa sibilina que génios ou simples escribas de ocasião elevados ao panteão das musas eruditas por lobbies de promíscuas intenções, E em como a palavra resistiu, resiste, no âmago de si própria indecifrável, indetectável o sentimento do sentido, a aferição da grandeza.
Ela, a palavra A M O R. . , continua a ser utilizada por todos na medida das suas conveniências. Mais ou menos ferida de significante erudição.
O amor da mãe pelo seu filho gritado até à exaustão, não a impede de permitir e colaborar na sua violação, do filho, da filha, quando uma outra significação de amor, o próprio ou o carnal, de sexo e orgias consequentes, ou as drogas paradisíacas e ou afrodisíacas ingeridas para suprir a falta de amor e inventar um novo, artificial e efémero, amor que basta no momento e acalma o frenesim da solidão de si, de se não ter, de se não achar.
O amor de amigo, falso, misericordioso. Envolto em enredos desculpabilizantes. Em evasões de raciocínio denso e mirabolante .
O amor de pai como só ele sabe amar. Intransigente. Austero na aplicação das leis primárias e a utilizar a palavra na medida do querer ser ou parecer, como pilar da união, cada vez mais perene, da família e a delegar na mulher dele, mãe dos filhos ou madrasta, a administração do amor quanto baste.