AS PALAVRAS ANDAM TODAS LIGADAS
As PALAVRAS alinhadas no absurdo da memória são em si mesmas, apenas palavras, caracteres com significados e intenções e leituras subjectivas. Têm força e vida própria mas precisam de emissor e receptor para se afirmarem como fundamentais.
A PALAVRA mãe. Mulheres que exultam de alegria, que se doam inteiras, que abdicam dum todo que as fazia ser mulher. Que se desencontram abjectivamente do ser e do estar, dos objectivos que um dia se colocaram. E se dedicam inteiras aos filhos, aos filhos dos filhos.
A PALAVRA amor. Amor de amigo, amor de sexo, amor de mim, amor da vida. E ninguém sabe o que é. Como se define, caracteriza. Porque sendo um estado ambivalente do ser, que congrega em si as frustrações e a consistência da consumação, a ira e a ternura, a felicidade e o desdém, o mito e a realidade , a banalidade e o ênfase .
A PALAVRA dinheiro. Em nome do qual se chacinam pais, amigos, filhos e se renega o amor. Direi que é a palavra mais cínica do alfabeto conhecido. Incita a ódios e a vinganças. Ninguém escapa à estrábica visão do dinheiro. A traição, o crime, a abjecção de tudo o que mexe e implique dinheiro. Até os padres de todas as religiões.
A PALAVRA religião. Antes da invenção das palavras, os seres hominídeos já fornicavam entre si para a proliferação da espécie. Não tinham deuses nem santidades instituídas . Mas tinham medos. Simplesmente medos. As religiões vieram suprir essa carência de remédios contra o medo. A exemplo do combate ao fogo pelo fogo, elas vieram trazer a expurgação do medo com novos e mais exaltantes medos: Deus e o Diabo e numa ordem decrescente, os pais, os amos e senhores, que da terra se foram apoderando para garantirem a protecção dos mais fracos.
A PALAVRA sexo. Quantas desgraças, angústias, morticínios e vilanias. Juras desfeitas ao sair a porta da casa comum. O sexo da gaja do vizinho é melhor do que o da minha. O gajo do lado tem uma picha mais comprida e olha-me com olhos gulosos, é porque sou boa.
Enlamear-se em sexo. Chafurdar. Inventariar posições e desvarios conseguidos. Mentir e seguir para outra. Dizer amo-te quando já não há nada para amar. Só o sexo adivinhado nos lábios trémulos de prazer. Na ilusão de imagens trabalhadas para atrair.
A PALAVRA sonho. Estudada ao pormenor por especialistas da ilusão. A tentativa de nos fazer crer na bondade de uns e maldade de outros. Como se a palavra, desprendida de si própria, subsistisse. Fosse. E se tornasse numa realidade que objectivamos com o frenesim próprio dos incrédulos. Sonhamos no sono e dentro do sonho acontecem sonhos. Sonhamos acordados. Não é cisma. É sonho.
A PALAVRA democracia. Todos os regimes vivem em democracia, mesmo os totalitários.
Chamamos democracia a um estado onde as pessoas são todas inscritas como rebanho, com variantes de cor e tamanho. Ciclicamente chamam-nas a votos. Digladiam-se os grupos em promessas e programas de circunstância. Atraem com sedutoras miragens de bem estar. Cada vez são menos os que votam, Desenganados. E vamo-nos aproximando das democracias totalitárias. Só um grupo activamente interessado e conivente vai aos votos e elege os confrades que melhor lhes retribuirão a paga.