NOSTALGIAS !...
O café pastelaria, tertúlia , onde navegávamos, metafísicos , na abordagem do conhecimento das coisas novas que, afinal, eram comuns noutras paragens, deixou de existir há muito.
Foi loja de moda, de artesanato e agora é nada. Vazio. Nem a memória das divagações literárias, as fífias juvenis a procurar afirmação de personalidade. Jogos do ser e do nada.
Ao cimo da rua que começa no largo da praça em direcção ao mar. Mar que já esteve mais longe, deixando aos prazeres um extenso areal de areia fina, as dunas salpicadas de cardos e chorões , a esconder, por vezes, actos de natureza proibida. Só resta, num recôndito do cérebro , o avivar das emoções de quem resiste. E saltam nomes na memória: Pedro, Carlos, Lauri , João, o Sr. . Farinha, patriarca, as raparigas, Tatiana, as Ginas de Regina e Virgínia Jeni , de Eugénia, Irene...
Onde estão?
O café a meio cêntimo, os nata sem correspondência monetária a um escudo e vinte centavos. As andanças a pé
Os projectos megalómanos, literatura, artes plásticas, ciência. O futuro com a guerra ali tão próxima e a legião de mulheres de xailes negros sobre roupa negra, que subiam a rua, passavam junto à montra apressadas, canastras à cabeça a ver o peixe chegar, daí a instantes, alheadas das congeminações efabuladas de uma pretensa elite desassossegada.
Ir à praia a meio da noite e tomar banho desnudos, a luminosidade da água a cada braçada, magia e sedução dos sentidos. O prazer do nu, proibido, preconceituado. A sensação plena de livres.
Pedro, o chouriço roubado na pastelaria do largo, a garrafa de vinho comprada com a reunião dos trocos de cada um, o assalto à residência de Verão dos pais dele o churrasco em álcool , a amizade sem limites.
Foi piloto aviador. Achá mo-nos na Aldeia Formosa, numa manhã quente de África e fez questão de me lançar numa experiência única. Voar.
Um avião de guerra, morte destruição, dor, num dos raros momentos ao serviço da paz.
Pedro brincou com o pequeno T6 no ar rarefeito, subindo a pique, rumo ao infinito e de repente, uma inversão, rodando sobre si próprio, a descida vertiginosa.
Na subida, era como se todas as entranhas quisessem soltar-se do meu corpo miúdo, ao contrário da descida em que o cérebro parecia saltar a todo o momento. Náuseas .
Suicidou-se, poucos anos depois do regresso, com gás doméstico. Não com napalm.
Carlos, o poeta, engenheiro de sistemas, talvez o mais erudito da tertúlia , não terá resistido à pressão. De quê? Suicidou-se em condições misteriosas. Extrema terá sido a sua solidão, entre a mulher Francesa e as filhas e a Ascenção da carreira. Onde ficava ele?
Irene , a bela e encantadora Irene . A medicina era a sua paixão. Salvar vidas. Aprender e dar tudo de novo. Minorar a dor, de preferência pediatria. Sonhadora, linda. Uma doença súbita e fatal. Um cancro galopante e imparável no sangue. Os sonhos desfeitos de encontro à interrogação que nos acode: Que andamos nós a fazer aqui? Que força é esta que nos impele a lutar, sem tréguas e a cair, desfalecidos, inertes, sem que o possamos impedir.
Regina, artista plástica de mérito, amante sublime do belo e de Lauri. O corpo miúdo, harmonioso Jeni, espalhafatosa, cheinha de corpo, mas lesta na procura do culto da alegria . Vê-la correr, esbaforida, o corpo gingão, Avenida acima para não perder o concerto de ditos de João Villaret . Tatiana, que casou com Pedro e o viu morrer, ou achou morto na banheira um dia, ou não soube evitar, de algum modo, evitar, que a solidão se instalasse .Lauri, Paris a rádio, os romances , o teatro. A amizade perdida nas tragédias da vida, deslealdades. O irrazoável do teu ponto de vista, do meu que soçobrava .
E os outros?... Que é feito de vós.?...